sexta-feira, 26 de abril de 2013


O PONTO SALIENTE DA PAIXÃO

Os compassos e descompassos eram imensos, mas o músico insistia em sua obra magistral. Mesmo que lhe custasse a própria vida...
Dramático?! Para alguns até poderia ser, mas para ele mostrava-se como um objetivo de toda uma caminhada.
Sim, anos de estudo, dedicação, sangue, alma, sustenidos e bemóis. Fora as distâncias de muitos, ausências de outros, inclusive de si mesmo e muitos, muitos cadernos, partituras e claves.
O piano mostrara-se como um dos companheiros mais fiéis além dos compositores que havia se debruçado por tanto tempo. As linhas de cada compasso foram sua cama e por diversas vezes, por ela passaram corpos não tão musicais, mas também alguns carregados de pausas extremamente necessárias à sua música particular.
Entre um pedido e outro, entre olhares... entre notas... graves ou agudamente precisas... sua obra magistral ganhava corpo. Em alguns momentos tudo era desmembrado e reiniciava-se toda a criação.
Tornara-se sua obsessão maior. A melhor. A única.
Agora, enquanto caminhava, os dedos ágeis procuravam pelo ar a melodia, inúmeros sons a sua volta pareciam desaparecer e seu coração... O coração não apenas batia. Passava a ritmar seu silencio assustadoramente musical e interior.
Para os outros... Sempre os outros. Tudo não passava de loucura: "Onde já se viu"?!, "Isolado do mundo". " Nãos e pode sequer convidá-lo para algum evento social"., "Estranho esse comportamento"., "Por que é assim"?.
Ninguém compreendia a música que o guiava. Acredito que nem ele mesmo. Quanto a loucura... Vive-se num mundo tão ou infinitamente mais louco que recuso-me a julgá-lo. Preferível ouvi-lo.... Com os olhos e o coração, não tão musical, mas ávido por melodias diferentes das usuais.
E enquanto pensava isso, ele novamente estava a articular seus compassos e descompassos diários.
De hoje não passaria, isolou-se ainda mais em seu ritmado desejo e entregou-se de corpo e alma para sua criação: novos papéis, reestruturas, sentidos e inúmeros sons... Ela o perseguia, o tomara conta por completo...
Horas a fio e deram-se totalmente envolvidos, como corpos num frenético desejo, tensão e vontade.
Lá fora nada mais importava. Somente sua criação, seu ápice, seu gozo vertente em altos e baixos, consonantes e dissonantes. Ambos tomavam-se, bebiam-se, o ponto saliente da paixão que margeava a vida e a morte. Anos e anos de encontros e desencontros e aquele mostrava-se como o momento exato de concretizarem-se: o criador e a criatura.
E assim fez-se... Ao amanhecer, o encontraram caído entre tantos acordes, os olhos vidrados pelo desejo consumado em seu último compasso, mas com a pena e os dedos cravados na paixão...

(Francis Paula)

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