domingo, 3 de março de 2013

A MENINA QUE TEIMAVA EM SER
(Francis Paula)

"São tempos difíceis para os sonhadores"- dizia a personagem do filme...
- Muito! - eu pensei enquanto desligava a televisão e interrompia aquele correr de imagens que começavam a reverberam em meu interior.
Tempos difíceis... Caminhei até a varanda e me coloquei a observar as luzes ao longe, as casas, os prédios, os carros e as pessoas que passavam.
- Quantos ali pensariam em suas dores? Quantos questionariam sua existência? Quem realmente saberia a diferença entre viver e existir? - nem eu realmente me reconheço pela vida.
As palavras saltavam pelo céu da boca com assombro, um purgar de dores que iriam além do físico e do supostamente imposto como"moral".
De repente lembrei de uma menina que costumava andar sem reparar nas pedras, nos tropeços que poderiam ocorrer pelas calçadas. Ela observava tudo a sua volta, uma eterna descoberta e se porventura caísse e lhe ferisse o joelho, limpava, secava as lágrimas mas, o desejo da descoberta, a confiança no caminho a faziam levantar e seguir.
"A confiança, a esperança no outro... Em qual esquina isso se perdeu"?
A medida que a garotinha crescia, "seres estranhos" surgiam e começavam a ganhar espaço pelas calçadas e o que inicialmente era descoberta ganhou ares de medo e de mera reprodução do real...
Descobrir? Para quê? Era perigoso demais!
Vozes difusas entremeavam sua caminhada e sem perceber, crescia e nasciam dores que sufocavam sua alma...
- Não, eu não quero ser uma cópia! Não, eu preciso descobrir o que sou! - bradava a menina...
E a calçada começou a segurar-lhe os pés!
- Me solte! Deixe que eu siga! O que fiz para que me impeça de andar?!
E o silêncio se prolongava... O tempo fechou e choveu... Choveu muito, dias e anos a fio...
Encharcada de tudo e cercada pelas vozes da mera reprodução, foi silenciada...
E ela crescia... parada... imóvel em si mesma.
Pensei que minhas lembranças parariam aí, mas ao olhar para baixo, na calçada, lá estava a menina e acenando para mim!
- O que faz aí? - perguntei.
- Não acredito que ainda não percebeu? Estou esperando por você todo esse tempo.
- Eu? O que posso fazer? Nem sei quem você é?
- Como não sabe? Em qual esquina me deixou sozinha? Não se lembra? E o joelho esfolado? As pedrinhas que chutávamos pelas ruas?
Um calor ruborizou-me a face.
- Venha! Esqueça as vozes difusas, as regras, as cópias! Desça e nos resgate, Eu ainda não sei quem sou, mas qual o problema nisso? - ela sorriu e acenou novamente.
Sem muito pensar, desci as escadas e ficamos frente a frente. A abracei e um calor nos tomou os corpos. Ela segurou minhas mãos e tomou-me pelo caminho.
A lua iluminava a calçada, ainda difusa, as vozes ainda existiam mas, pouco me importavam agora.
De repente, estávamos novamente juntas, numa só alma e senti meus pés se moverem novamente e segui... melhor dizendo: SEGUIREMOS adiante.
Sim, a menina sou eu e ela é a mulher que me tornei e se os tempos são difíceis para os sonhadores, sonhemos mais, realizemos mais... a caminho do infinito.

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